quarta-feira, 10 de outubro de 2012


      A EXPERIÊNCIA DE DESQUALIFICAÇÃO DE SER ESCRIVÃO DE POLÍCIA
Guimarães Dilma Dias

A presente pesquisa teve por objetivo verificar a relação entre a veracidade do sofrimento psíquico e a discriminação no trabalho em função de os escrivães encontrarem-se com restrições laborativas por estarem acometidos de lesões por esforços repetitivos. Foram analisados vinte (20) questionários, aplicados aos escrivães readaptados na Corregedoria Geral da Polícia Civil do Distrito Federal (CGP). O quadro da Polícia Civil é composto por 407 (quatrocentos e sete) escrivães efetivos. Atualmente, 41 (quarenta e um) encontram-se com restrições laborativas, sendo que 26 (vinte e seis) estão lotados na CGP, sendo readaptados para a função cartorária e vinte se dispuseram a participar da pesquisa. A escolha da metodologia centrou-se na aplicação de questionários, entrevista com o Escrivão-chefe em uma abordagem quantitativa e qualitativa.  O método utilizado foi o hipotético-dedutivo.  O escrivão de polícia digita por períodos prolongados, com movimentos repetitivos, realizando oitivas para compor peças do inquérito policial. Essa tarefa requer atenção concentrada e discriminação auditiva apurada o que pode gerar desgaste físico e psicológico, com propensão a desenvolver distúrbio osteomuscular relacionado ao trabalho, bem como o adoecimento psíquico. Essas lesões, quando se instalam podem gerar sofrimento psíquico pelo sentimento de incapacidade e pela invisibilidade dos sintomas, que por vezes, faz com que seus colegas de trabalho desconfiem da existência da doença. A carga de trabalho atribuída a esta categoria é elevada, ocasionando acúmulo constante no trabalho e estresse pela impossibilidade de cumprir a contento suas responsabilidades, visto que trabalham com prazos. Além disso, o número de escrivães efetivos encontra-se aquém do ideal para realização do trabalho.  O marco conceitual utilizado foi a psicodinâmica do trabalho de Cristophe Dejours e teorias do estresse. A hipótese levantada foi parcialmente confirmada, pois se comprovou a veracidade da discriminação sofrida pelo escrivão com restrição laborativa em relação aos seus pares. Os escrivães sentem-se desqualificados por meio de palavras não ditas,que mantém seus significados entre linhas. É o não dito contrapondo ao que é dito e sentido. Mas, contudo, não se pode afirmar, na totalidade, se isso implica diretamente em um adoecimento psíquico.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DEJOURS, Chistophe. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. Tradução de Ana Isabel Paraguay e Lúcia Leal Ferreira. São Paulo: Cortez, 1988.
DEJOURS, Chistophe. Da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Tradução de Franck Soudant/ Selam Lancman e Laerte Idal Sznelwar. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2004.
MENDES, René. Patologia do Trabalho. Atheneu, 2.ed. Vol. 2, 200

Resumo do artigo publicado por Dilma Dias Guimarães no livro Tecendo Redes em Saúde Mental no Cerrado. Costa, Ileno Izídio e Grigolo, Tania Maris, 2009, Ed. Universidade de Brasília - UnB. ISBN 978-85-62870-00-2

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

PSICOLOGIA ESCOLAR

A psicologia, como grande aliada da educação, tem compromisso social junto ao psicólogo escolar, em busca da identificação das diversas barreiras que possam dificultar o processo educativo em suas múltiplas dimensões, ajudando assim na transformação dos processos educativos. A Psicologia Escolar considera os fatores ambientais, históricos e culturais no desenvolvimento das funções psicológicas do ser humano.
A educação, por ser um fenômeno social bem complexo, tem variados sentidos. Uma vez que representa as manifestações, produções e criações humanas veiculadas pela relação social, ela passa a contextualizar-se em um processo formativo visando o pleno desenvolvimento humano. “A educação é um processo permanente que se realiza na família, na comunidade, no trabalho e nos demais contextos em que há presença humana, pois a educação está presente em toda interação do homem com o meio” (GDF 2010, p. 50). Dentro da perspectiva histórico-cultural o desenvolvimento psicológico é entendido como um processo histórico. Assim, na última década, a psicologia escolar vem ganhando maior campo de atuação dentro do âmbito escolar, de forma a se estruturar e ampliar o movimento de conhecimentos na busca de oferecer melhores condições de aprendizagem e desenvolvimento humano.
            O termo Psicologia Escolar surgiu no exercício do psicólogo que atua na área educacional, que ao se apropriar de diferentes elaborações teóricas e práticas permitiu uma compreensão dialética da relação entre os indivíduos, enquanto sujeito de sua história dentro de diferentes contextos socioculturais.
            Na perspectiva de compreender o sujeito dentro da abordagem histórico-cultural busca-se analisá-lo em sua subjetividade e na sua própria constituição como sujeito. Segundo Vigotski (2009), o desenvolvimento humano é um processo cultural que se desenvolve através da interação entre os indivíduos com a realidade, produzindo transformações históricas entre os homens e destes com a natureza. Dentro desse contexto vê-se o ser humano como produtor da cultura que transforma a natureza e que ao mesmo tempo é por ela modificado quando em interação com a mesma.  
Assim entende-se que o ensino/aprendizagem, acontece numa rede de relações produtoras de mediações, onde os sujeitos interagem com os pares numa classe social e no âmbito familiar. Para avaliar as dificuldades das relações institucionais também se deve analisar todo um contexto relacional e cultural humano, pois a apreensão do conhecimento e a resposta a partir dessa apropriação é fruto de todas essas relações. Para Martinez (2009), o trabalho do psicólogo escolar, nesta importante dimensão, implica reconhecer o valor da dimensão psicossocial deste espaço.
          Permitindo ao psicólogo perceber todo o delineamento, estratégias e articulações dentro da dimensão psicoeducativa e psicossocial, otimizando desta forma todo o processo educativo. Por sua vez o sujeito dentro da sua subjetividade contribui direta ou indiretamente dentro do contexto do qual esta inserido, onde adquire uma especial importância dentro dos aspectos sociais sendo bastante relevantes para a instituição. Permitindo ao Psicólogo Escolar compreender os processos relacionais que ocorrem na escola, onde tanto os profissionais quanto os alunos atuam. Este espaço social em que se relacionam busca agir sempre dentro de um contexto percebido em sua própria ação, ou seja, o sujeito psicológico é que atua. Segundo Martinez (2009):
A partir de um sensível processo de diagnóstico e análise das necessidades institucionais o psicólogo pode sugerir delinear e coordenar estratégias de intervenção direcionadas a potencializar o trabalho em equipe, mudar representações cristalizadas e inadequadas sobre o processo educativo, desenvolver habilidades comunicativas, mediar conflitos, incentivar a criatividade e a inovação, melhorar a qualidade de vida no trabalho e outras tantas ações, como contribuição significativa ao aprimoramento do funcionamento organizacional. (Martinez, 2009, p. 172-173)
Segundo Martinez (2009) a escola é um locus privilegiado para promover a mediação da cultura, do conhecimento, além de propor saltos qualitativos na aprendizagem e no desenvolvimento humano, ao mesmo tempo em que facilita a socialização, e o controle social.  É na escola também que ocorre a repetição e ao mesmo tempo a tentativa de transformação das ideologias e filosofias, construídas histórica e socialmente, e compartilhadas pelos agentes escolares.
Nesse sentido, o papel do psicólogo escolar é fundamental para gerar reflexão quanto aos papéis desempenhados na escola. Sendo uma das atuações do Psicólogo escolar a criação de espaços de conscientização aos agentes escolares, de forma a quebrar o paradigma apresentado pela lógica escolar. De acordo com Marinho-Araújo e Almeida (2005) há de se considerar também que os processos norteadores no trabalho escolar são historicamente construídos e reconhecidos como normal/natural, porém esses mesmos processos podem ser entraves na dinâmica escolar, tanto para o que ensina e aprende, como para os demais envolvidos.
Uma das formas do psicólogo propor processos de conscientização é através da intervenção com o mapeamento institucional, para levantar as incoerências, contradições, fragilidades e potencialidades do processo administrativo e pedagógico da escola. Para Marinho-Araújo e Ameida (2005) o mapeamento institucional proporcionará uma avaliação do não dito, das problemáticas cotidianas engessadas, e mais do que isso concederá voz aos sujeitos participantes e com isso perceberá também as “vozes” institucionais, para só então provocar transformações através de novas ações no ambiente escolar.

Referências bibliográficas
- Governo do Distrito Federal (2010). Orientação Pedagógica: Serviço Especializado de Apoio à Aprendizagem. Brasília: SEDF.

- MARINHO-ARAÚJO, Claisy Maria e ALMEIDA, Sandra Francesca Conte (2005). Psicologia Escolar: construção e consolidação da identidade profissional. Campinas/ SP: Alínea.

- MARTINEZ, A. M. (2009). Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) – 13, p. 169-177.

- VIGOTSKI, L. S. (2009). Imaginação e Criação na Infância. RJ Editora Ática


quinta-feira, 6 de setembro de 2012

PERÍCIA PSICOLÓGICA NA ÁREA DE SAÚDE


            A palavra perícia vem do latim (peritia) que significa: destreza, habilidade e também procede do latim (peritius) que significa erudito, capaz. Perícia é o estudo de fatos relacionados ao indivíduo, realizado por especialista na área, com o intuito de clarificar no diagnóstico, situações que se encontram obscuras, e, geralmente se dá em resposta aos quesitos formulados pelo solicitante.
            Os quesitos devem ser elaborados em forma de perguntas, de maneira clara e objetiva. Receber uma solicitação com os quesitos já formulados ajuda ao se confeccionar o laudo, pois o perito vai emiti-lo respondendo aos questionamentos e com isso evita expor dados colhidos na avaliação psicológica irrelevantes para o caso.
            O trabalho do psicólogo como perito na área de saúde é relativamente novo e sua perícia está relacionada ao servidor que apresenta dificuldades laborais, constantes licenças médicas e quando necessita de uma avaliação psicológica que possa auxiliar o diagnóstico médico para a decisão da Junta Médica Oficial ou como exame complementar da avaliação psiquiátrica.
            O Decreto n.º 53.964 de 21 de janeiro de 1964, que regulamenta a Lei n.º 4.112, responsável pela criação da profissão de psicólogo prevê:”...realizar perícias e emitir pareceres sobre a matéria de psicologia”. Para ser nomeado perito o psicólogo necessita estar regulamentado junto ao seu órgão de classe (Conselho Regional de Psicologia) e ter capacidade técnica para responder às questões formuladas.
            Na perícia psicológica em saúde, o profissional fará a análise documental acostada no prontuário do periciado, o exame clínico, o psicodiagnóstico  e o laudo pericial. A linguagem utilizada no documento deverá ser clara, precisa, objetiva e imparcial. Esse profissional deverá emitir pareceres seguros que não comprometam a veracidade e lisura dos fatos, como também, não poderá expor o periciado a quaisquer constrangimentos. E, deverá manter uma postura neutra para não invalidar o processo.
            O perito tem obrigação de tratar o periciado com respeito, sem estabelecer vínculos, principalmente por estar no papel de investigador. No exercício da função pericial o perito psicólogo deverá ter em mente que sua atuação se dá na defesa do interesse público e de acordo com a lei. Para tanto, esse profissional precisa conhecer e se familiarizar com a legislação em vigor, pertinente à sua atuação.
Artigo publicado por Dilma Dias Guimarães na Revista Fortium de Gestão Pública,  Vol. I ; Número I – Maio/Junho 2007, Ed Fortium. ISSN 1981- 464X

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Acompanhamento Terapêutico


O Acompanhamento Terapêutico é um dispositivo clínico, habitualmente utilizado no tratamento de pacientes com graves distúrbios psíquicos. Proporciona muitas vezes, a extensão dos cuidados para além dos limites institucionais, outras vezes, é a única forma de tratamento possível para construir as condições necessárias ao engajamento do paciente em uma rede de atendimento.
As indicações para acompanhamento terapêutico estão relacionadas às dificuldades que tanto podem referir-se à impossibilidade de vinculação a um tratamento, como às limitações das famílias em proporcionar os cuidados necessários em situações de crise e risco. Nestas circunstâncias o objetivo principal é evitar internações desnecessárias.
A indicação pode ocorrer ainda como medida de apoio ao paciente em suas iniciativas de reintegração social e de autonomia, buscando possibilidades de articulação, de circulação, de construção de “lugares sociais” e, evitando o isolamento e a ruptura de vínculos. Isto implica na realização de atividades cotidianas e na ampliação do contexto social desses pacientes que tende a cristalizar-se no esquema instituição-casa-família. Nesse sentido, o acompanhante terapêutico exerce a função de catalisador de novas possibilidades, propiciando a quebra dessa dinâmica que sustenta o adoecimento.
Vale lembrar que esse dispositivo clínico surgiu como conseqüência do Movimento Antimanicomial ocorrido  na década de 50 nos Estados Unidos e na Europa, chegando ao Brasil no final dos anos 70.
Tem por objetivos:
Oferecer suporte aos processos terapêuticos dos pacientes promovendo sua autonomia e sua inserção social.
 Possibilitar maior circulação fora do ambiente institucional e familiar, assim como novas oportunidades de relacionamentos interpessoais.
Viabilizar a inserção de pacientes resistentes ao tratamento em uma rede de atendimento.
Ter acesso ao cotidiano dos pacientes para melhor entendimento das dinâmicas familiares e das dificuldades vividas no cotidiano, o que resulta em continência mais efetiva e em maior dinamicidade do tratamento.
Oferecer suporte aos “projetos de vida” dos pacientes, auxiliando-os inclusive na descoberta destes projetos.
Evitar internações, ou quando estas forem inevitáveis, torná-las mais breves, mais produtivas e menos traumáticas.
Intervir nas situações de conflito entre o paciente e sua família em busca de uma resolução pelo diálogo e por ações mais assertivas.
Sustentar e incrementar o projeto terapêutico do paciente junto à sua rede de assistência.
Facilitar a operacionalização de trabalho interdisciplinar entre os profissionais envolvidos com o paciente.
Destina-se a Pacientes com distúrbios psíquicos severos - psicoses, neuroses graves, depressões severas, síndromes do pânico, distúrbios alimentares, quadros limítrofesdemências, dentre outros.
Pacientes crônicos que apresentam isolamento e empobrecimento da vida afetiva e social.
Pacientes que apresentam risco de suicídio.
Pacientes com alguns quadros cujas características dificultam sua circulação social - Autismo, Síndrome de Down etc.
Portadores de necessidades especiais.
Idosos que encontram dificuldades de se articularem à vida familiar e social.
  



       

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Eros e Psiquê - O Mito

    Psique era a mais nova de três filhas de um rei de Mileto e era extremamente bela. Sua beleza era tanta que pessoas de várias regiões iam admirá-la, assombrados, rendendo-lhe homenagens que só eram devidas à própria Afrodite.
Profundamente ofendida e enciumada, Afrodite enviou seu filho, Eros, para fazê-la apaixonar-se pelo homem mais feio e vil de toda a terra. Porém, ao ver sua beleza, Eros apaixonou-se profundamente.
  O pai de Psique, suspeitando que, inadvertidamente, havia ofendido os deuses, resolveu consultar o oráculo de Apolo, pois suas outras filhas encontraram maridos e, no entanto, Psique permanecia sozinha. Através desse oráculo, o próprio Eros ordenou ao rei que enviasse sua filha ao topo de uma solitária montanha, onde seria desposada por uma terrível serpente. A jovem aterrorizada foi levada ao pé do monte e abandonada por seu pesarosos parentes e amigos. Conformada com seu destino, Psique foi tomada por um profundo sono, sendo, então, conduzida pela brisa gentil de Zéfiro a um lindo vale.
  Quando acordou, caminhou por entre as flores, até chegar a um castelo magnífico. Notou que lá deveria ser a morada de um deus, tal a perfeição que podia ver em cada um dos seus detalhes. Tomando coragem, entrou no deslumbrante palácio, onde todos os seus desejos foram satisfeitos por ajudantes invisíveis, dos quais só podia ouvir a voz.
  Chegando a escuridão, foi conduzida pelos criados a um quarto de dormir. Certa de ali encontraria finalmente o seu terrível esposo, começou a tremer quando sentiu que alguém entrara no quarto. No entanto, uma voz maravilhosa a acalmou. Logo em seguida, sentiu mãos humanas acariciarem seu corpo. A esse amante misterioso, ela se entregou.. Quando acordou, já havia chegado o dia e seu amante havia desaparecido. Porém essa mesma cena se repetiu por diversas noites.
Enquanto isso, suas irmãs continuavam a sua procura, mas seu esposo misterioso a alertou para não responder aos seus chamados. Psique sentindo-se solitária em seu castelo-prisão, implorava ao seu amante para deixá-la ver suas irmãs. Finalmente, ele aceitou, mas impôs a condição que, não importando o que suas irmãs dissessem, ela nunca tentaria conhecer sua verdadeira identidade.
  Quando suas irmãs entraram no castelo e viram aquela abundância de beleza e maravilhas, foram tomadas de inveja. Notando que o esposo de Psique nunca aparecia, perguntaram maliciosamente sobre sua identidade. Embora advertida por seu esposo, Psique viu a dúvida e a curiosidade tomarem conta de seu ser, aguçadas pelos comentários de suas irmãs.
  Seu esposo alertou-a que suas irmãs estavam tentando fazer com que ela olhasse seu rosto, mas se assim ela fizesse, ela nunca mais o veria novamente. Além disso, ele contou-lhe que ela estava grávida e se ela conseguisse manter o segredo ele seria divino, porém se ela falhasse, ele seria mortal.
  Ao receber novamente suas irmãs, Psique contou-lhes que estava grávida, e que sua criança seria de origem divina. Suas irmãs ficaram ainda mais enciumadas com sua situação, pois além de todas aquelas riquezas, ela era a esposa de um lindo deus. Assim, trataram de convencer a jovem a olhar a identidade do esposo, pois se ele estava escondendo seu rosto era porque havia algo de errado com ele. Ele realmente deveria ser uma horrível serpente e não um deus maravilhoso.
  Assustada com o que suas irmãs disseram, escondeu uma faca e uma lâmpada próximo a sua cama, decidida a conhecer a identidade de seu marido, e se ele fosse realmente um monstro terrível, matá-lo. Ela havia esquecido dos avisos de seu amante, de não dar ouvidos a suas irmãs.

  A noite, quando Eros descansava ao seu lado, Psique tomou coragem e aproximou a lâmpada do rosto de seu marido, esperando ver uma horrenda criatura. Para sua surpresa, o que viu porém deixou-a maravilhada. Um jovem de extrema beleza estava repousando com tamanha quietude e doçura que ela pensou em tirar a própria vida por haver dele duvidado.
  Enfeitiçada por sua beleza, demorou-se admirando o deus alado. Não percebeu que havia inclinado de tal maneira a lâmpada que uma gota de óleo quente caiu sobre o ombro direito de Eros, acordando-o.
  Eros olhou-a assustado, e voou pela janela do quarto, dizendo:
   - "Tola Psique! É assim que retribuis meu amor? Depois de haver desobedecido as ordens de minha mãe e te tornado minha esposa, tu me julgavas um monstro e estavas disposta a cortar minha cabeça? Vai. Volta para junto de tuas irmãs, cujos conselhos pareces preferir aos meus. Não lhe imponho outro castigo, além de deixar-te para sempre. O amor não pode conviver com a suspeita."
  Quando se recompôs, notou que o lindo castelo a sua volta desaparecera, e que se encontrava bem próxima da casa de seus pais. Psique ficou inconsolável. Tentou suicidar-se atirando-se em um rio próximo, mas suas águas a trouxeram gentilmente para sua margem. Foi então alertada por Pan para esquecer o que se passou e procurar novamente ganhar o amor de Eros.
  Por sua vez, quando suas irmãs souberam do acontecido, fingiram pesar, mas partiram então para o topo da montanha, pensando em conquistar o amor de Eros. Lá chegando, chamaram o vento Zéfiro, para que as sustentasse no ar e as levasse até Eros. Mas, Zéfiro desta vez não as ergueram no céu, e elas caíram no despenhadeiro, morrendo.
  Psique, resolvida a reconquistar a confiança de Eros, saiu a sua procura por todos os lugares da terra, dia e noite, até que chegou a um templo no alto de uma montanha. Com esperança de lá encontrar o amado, entrou no templo e viu uma grande bagunça de grãos de trigo e cevada, ancinhos e foices espalhados por todo o recinto. Convencida que não devia negligenciar o culto a nenhuma divindade, pôs-se a arrumar aquela desordem, colocando cada coisa em seu lugar. Deméter, para quem aquele templo era destinado, ficou profundamente grata e disse-lhe:
  - "Ó Psique, embora não possa livrá-la da ira de Afrodite, posso ensiná-la a fazê-lo com suas próprias forças: vá ao seu templo e renda a ela as homenagens que ela, como deusa, merece."
  Afrodite, ao recebê-la em seu templo, não esconde sua raiva. Afinal, por aquela reles mortal seu filho havia desobedecido suas ordens e agora ele se encontrava em um leito, recuperando-se da ferida por ela causada.     Como condição para o seu perdão, a deusa impôs uma série de tarefas que deveria realizar, tarefas tão difíceis que poderiam causar sua morte.
  Primeiramente, deveria, antes do anoitecer, separar uma grande quantidade de grãos misturados de trigo, aveia, cevada, feijões e lentilhas. Psique ficou assustada diante de tanto trabalho, porém uma formiga que estava próxima, ficou comovida com a tristeza da jovem e convocou seu exército a isolar cada uma das qualidades de grão.
  Como 2ª tarefa, Afrodite ordenou que fosse até as margens de um rio onde ovelhas de lã dourada pastavam e trouxesse um pouco da lã de cada carneiro. Psique estava disposta a cruzar o rio quando ouviu um junco dizer que não atravessasse as águas do rio até que os carneiros se pusessem a descansar sob o sol quente, quando ela poderia aproveitar e cortar sua lã. De outro modo, seria atacada e morta pelos carneiros. Assim feito, Psique esperou até o sol ficar bem alto no horizonte, atravessou o rio e levou a Afrodite uma grande quantidade de lã dourada.
  Sua 3ª tarefa seria subir ao topo de uma alta montanha e trazer para Afrodite uma jarra cheia com um pouco da água escura que jorrava de seu cume. Dentre os perigos que Psique enfrentou, estava um dragão que guardava a fonte. Ela foi ajudada nessa tarefa por uma grande águia, que voou baixo próximo a fonte e encheu a jarra com a negra água.
Irada com o sucesso da jovem, Afrodite planejou uma última, porém fatal, tarefa. Psique deveria descer ao mundo inferior e pedir a Perséfone, que lhe desse um pouco de sua própria beleza, que deveria guardar em uma caixa. Desesperada, subiu ao topo de uma elevada torre e quis atirar-se, para assim poder alcançar o mundo subterrâneo. A torre porém murmurou instruções de como entrar em uma particular caverna para alcançar o reino de Hades. Ensinou-lhe ainda como driblar os diversos perigos da jornada, como passar pelo cão Cérbero e deu-lhe uma moeda para pagar a Caronte pela travessia do rio Estige, advertindo-a:
- "Quando Perséfone lhe der a caixa com sua beleza, toma o cuidado, maior que todas as outras coisas, de não olhar dentro da caixa, pois a beleza dos deuses não cabe a olhos mortais."
Seguindo essas palavras, conseguiu chegar até Perséfone, que estava sentada imponente em seu trono e recebeu dela a caixa com o precioso tesouro. Tomada porém pela curiosidade em seu retorno, abriu a caixa para espiar. Ao invés de beleza havia apenas um sono terrível que dela se apossou.
  Eros, curado de sua ferida, voou ao socorro de Psique e conseguiu colocar o sono novamente na caixa, salvando-a.
  Lembrou-lhe novamente que sua curiosidade havia novamente sido sua grande falta, mas que agora podia apresentar-se à Afrodite e cumprir a tarefa.
  Enquanto isso, Eros foi ao encontro de Zeus e implorou a ele que apaziguasse a ira de Afrodite e ratificasse o seu casamento com Psique. Atendendo seu pedido, o grande deus do Olimpo ordenou que Hermes conduzisse a jovem à assembléia dos deuses e a ela foi oferecida uma taça de ambrosia. Então com toda a cerimônia, Eros casou-se com Psique, e no devido tempo nasceu seu filho, chamado Voluptas (Prazer).